“Do desafio à solução: como a intensificação sustentável revoluciona a agricultura no Cerrado”
O pesquisador Edicarlos Damacena de Souza, da Aliança SIPA, trabalha com uma equipe multidisciplinar formada por estudantes de diferentes níveis acadêmicos nas áreas de Biologia, Zootecnia, Economia, Agronomia e Engenharia Agrícola e Ambiental das Universidades Federais de Rondonópolis, Paraná e Rio Grande do Sul, juntamente com o SIA (Serviço de Inteligência em Agronegócios). Eles estão conduzindo pesquisas sobre sistemas de produção agropecuária, tanto puros quanto integrados, no bioma Cerrado.
A meta da pesquisa é desenvolver um pacote tecnológico que possibilita o cultivo do algodão em solos arenosos, prática desafiadora, tendo em vista que esses solos possuem menor capacidade de uso, sendo normalmente de baixa fertilidade e baixa capacidade de retenção de água. O foco foi conciliar lavoura e pecuária para a produção de alimentos e de serviços ecossistêmicos, garantindo sustentabilidade e segurança alimentar aos sistemas de produção.
Para isso, investimos na diversidade funcional de plantas em SIPA. Uma área de 6,25 ha foi dividida em 3 blocos casualizados com 5 tratamentos determinados por combinações de sistemas de manejo com diferentes níveis de diversidade funcional: N1) Soja na safra com pousio na entressafra; N2) Soja na safra e entressafra de Urochloa ruziziensis cultivada solteira por 8 meses; N3) Soja na safra e entressafra de U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro e feijão caupi e trigo mourisco por 8 meses; N4) Soja na safra e entressafra U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro e feijão caupi e trigo mourisco por 20 meses; N5) SIPA: Soja na safra e entressafra U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro, feijão caupi, trigo mourisco e entrada de animais para pastejo (Figura 1). O algodão entra a cada dois ciclos.
A mescla de diversidade funcional, conservação do solo, mitigação de gases de efeito estufa, ciclagem de nutrientes (eficiência de produção/unidade de nutriente ciclando) e efeito “poupa-terra” (land sparing) trazida por essa combinação tecnológica produz um “produto-sistema” altamente inovador e impactante para a produção de alimentos. Uma inovação que é em parte extraída de conceitos antigos (e.g., rotação de culturas, reciclagem etc.), em parte de conceitos recentes (e.g., Pastoreio “Rotatínuo” – RN), cuja combinação provoca o fenômeno conhecido como propriedades emergentes, que ocorre quando um resultado é maior que a soma das partes individuais (Carvalho et al., 2018). É com este blend tecnológico inovador que se quer impactar o setor agropecuário do MT.
Com esse projeto foi possível (i) consolidar o conhecimento em sistemas de produção de baixo impacto ambiental, voltado à utilização sustentável de solos frágeis do Mato Grosso, e ampliar a diversificação dos sistemas produtivos para diminuir os riscos das operações agrícolas, tendo os sistemas integrados como pilar tecnológico garantidor de rentabilidade e redução de passivos ambientais no longo prazo; (ii) Caracterizar os estoques de matéria orgânica do solo (carbono e nitrogênio) e os principais atributos reguladores do acúmulo da matéria orgânica em sistemas integrados de produção agropecuária; (iii) Estabelecer uma Unidade de Excelência em Sistemas de Produção Sustentáveis, com foco em capacitação continuada de técnicos e produtores ao longo do projeto, e após sua consecução; (iv) Difundir conceitos de intensificação sustentável e resultados do projeto em meio digital e físico, por meio de publicações técnicas e científicas. Alguns dos principais resultados foram os incrementos nos teores de matéria orgânica do solo (MOS), conforme houve o aumento da diversidade funcional em cada sistema de produção. O grau de humificação da matéria orgânica seguiu padrão semelhante aos teores de MOS, no contexto das mudanças climáticas globais, aumentar o grau de humificação da MOS é um importante resultado, já que é correlacionado com a reciclagem e a estabilidade de carbono no solo. As plantas e animais no sistema de diversidade alta (N5), a variedade de espécies no sistema de diversidade média (N3) e o maior período de permanência do sistema de diversidade média de longa duração (N4) elevou a quantidade de resíduos orgânicos no solo e proporcionou maior fonte de substrato para os microrganismos, e, como consequência, aumentou a imobilização de C e N pela biomassa microbiana. O C-BMS e o N-BMS responderam positivamente à diversificação dos sistemas de produção em solo arenoso. Maiores produtividades de algodão foram alcançadas conforme houve o aumento do grau de diversidade funcional no sistema. O tratamento com Alta diversidade funcional teve a maior produtividade (4,1 Mg ha-1), 156% superior ao tratamento com muito baixa diversidade. Os sistemas com diversidade Média de curto e longo prazo tiveram produção 101% superior ao sistema de diversidade muito baixa. Já o sistema de diversidade Baixa apresentou produtividade (2,9 Mg ha-1) semelhante ao sistema com diversidade muito baixa (1.6 Mg ha-1). Embora solos arenosos sejam muitas vezes considerados menos propícios para a agricultura, o presente estudo mostra que a diversificação do sistema produtivo pode melhorar atributos de qualidade do solo e mediar altas produtividades da cultura do algodão, mesmo no curto prazo. Variáveis como o N-MOP, C-BMS, COT e β-glicosidase se correlacionaram com sistemas de diversidade média (N3) e diversidade alta (N5), apoiando os resultados obtidos e demonstrando que a melhoria desses atributos pode ter promovido a qualidade do solo, assim como o aumento da produção de algodão em solo arenoso.
Por fim, queremos produzir alimentos de forma sustentável em solos arenosos do Cerrado-MT. Nesta pesquisa vimos que quando bem manejados, é possível alcançar resultados positivos em solos arenosos no que tange ao aumento de produtividade, da matéria orgânica e no grau de humificação. A construção da fertilidade e da física desses solos são imprescindíveis, isso faz com que as raízes se desenvolvam mais e explorem maiores profundidades, onde a umidade é maior. Outro aspecto importante é implantar as culturas anuais com o solo coberto por palha, preferencialmente com maior diversidade de espécies, onde cada uma colabora na qualidade dos nutrientes armazenados nestes solos, aumenta a reciclagem e a estabilidade de carbono no solo, fato importante para mitigar a emissão dos gases do efeito estufa.
Figura 1. Linha do tempo da implantação dos tratamentos com os diferentes níveis de diversidade funcional. N1 (diversidade muito baixa)=Soja na safra com pousio na entressafra; N2 (Diversidade baixa)=Soja na safra e entressafra de Urochloa ruziziensis cultivada solteira por 8 meses; N3 (diversidade média)=Soja na safra e entressafra de U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro e feijão caupí e trigo mourisco por 8 meses; N4 (diversidade média de longa duração)=Soja na safra e entressafra U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro e feijão caupi e trigo mourisco por 20 meses; N5 (diversidade alta-SIPA)=SIPA: Soja na safra e entressafra U. ruziziensis, niger, nabo forrageiro, feijão caupi, trigo mourisco e entrada de animais para pastejo
Figura 2. A=soja sob plantio direto com palha de cinco famílias de plantas; B=animais em pastejo na diversidade funcional alta; C=Solo com maior presença de microorganismos; D=Diversidade de plantas na área experimental