O Brasil possui uma situação muito peculiar do ponto de vista de emissões de gases de efeito estufa, onde 52% das nossas emissões estão associadas ao desmatamento de florestas tropicais, no caso a Amazônia, e cerca de 30% das emissões associadas à produção de alimento, como é o caso do Cerrado. É o que afirma Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em entrevista para o Projeto Rural Sustentável – Cerrado.
Essas emissões podem ser de metano com relação à pecuária, ou emissões de dióxido de carbono por um uso inadequado do solo na produtividade agrícola. A qualidade do solo e a produtividade agrícola dependem de um ambiente saudável e equilibrado, o que é possível ao manter o carbono no solo, alimentando bactérias que fixam o nitrogênio nas plantas.
Ainda segundo o professor Paulo Artaxo, “investir em larga escala em restauração florestal é um dos caminhos que o Brasil tem que seguir se quisermos ter, nas próximas décadas, a mesma produção de alimentos que temos hoje”. Essa é uma ação importante que deve estar presente na realidade brasileira e ela já é uma das ações objetivas do PRS – Cerrado, que visa mitigar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e aumentar a renda de pequenos(as) e médios(as) produtores(as) no bioma Cerrado, promovendo a adoção de tecnologias produtivas de baixa emissão de carbono, como a Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD) e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Para o climatologista Carlos Nobre, “se você pratica uma agricultura regenerativa, utiliza os sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, você torna a agricultura muito mais resiliente com relação aos extremos climáticos que já estão acontecendo. Você aumenta muito a qualidade da agricultura e a resiliência, tornando a atividade também mais econômica”.
E o desafio de fazer essa transformação para uma agricultura e agropecuária sustentável é completamente possível de ser superado pelo Brasil, segundo o especialista. Em 2015, o Brasil assinou o Acordo de Paris tendo como meta a redução de suas emissões de gases do efeito estufa em até 43% até 2030. O tratado internacional abrange mitigação, adaptação e financiamento à mitigação das mudanças climáticas.
“O Brasil é um dos poucos países no mundo de grande emissão – nós somos os quintos maiores emissores – que pode ser o primeiro a atingir essa meta de emissão líquida zero em todos os biomas brasileiros”, destaca o climatologista.
Quando falamos especificamente do Cerrado, é importante lembrar do papel fundamental deste bioma na proteção dos recursos hídricos brasileiros. O Cerrado é um bioma com características particulares, de grande biodiversidade e cultura associadas a esses recursos naturais. Quando se junta tudo isso, é preciso saber os prejuízos ambientais e culturais que o desmatamento pode causar. Quem faz esse alerta é a ministra de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, também em entrevista para o PRS – Cerrado.
“Quando nós conseguimos reduzir o desmatamento, a gente consegue, de forma incrível, reduzir as emissões de CO2 […] e o Brasil está comprometido a fazer isso evitando os efeitos indesejáveis dessa mudança, criando um novo ciclo de prosperidade que possa combater as desigualdades e melhorar a vida das pessoas, mas com sustentabilidade. Pensar na justiça climática é pensar não só em mudar a maneira de fazer, é pensar na nossa maneira de ser”, ressalta a ministra.
Para isso, é fundamental que se tenha uma economia diversificada, e a diversificação passa pelas atividades agrícolas, que devem aumentar a produção por ganho de produtividade com as inovações que já estão comprovadas, como também é o caso dos Sistemas Agroflorestais (SAFs), por exemplo.
Em torno das consequências das mudanças climáticas para as minorias, a coordenadora de Justiças Climáticas do Ministério dos Povos Indígenas, Suliete Baré, também faz o seu alerta: “Quando se destrói o meio ambiente para construção de grandes empreendimentos, você está diretamente e indiretamente atingindo as minorias, nesse caso, os povos indígenas, que também sofrem as consequências dos desastres ambientais.”
Segundo Suliete, as atividades humanas estão interferindo de forma negativa na questão climática e o mundo inteiro precisa estar mais atento para mudar isso.
“Não tem como falar de mudanças climáticas e do enfrentamento à crise climática sem falar da proteção das terras indígenas e dos saberes tradicionais dos povos indígenas, que vêm há séculos cuidando e protegendo as florestas […] povos indígenas, inclusive, que não estão presentes somente na região amazônica, mas em outros biomas também”, lembra a especialista.
Para falar de sustentabilidade, a primeira coisa que deve ser estabelecida são quais os objetivos que serão aplicados em cada propriedade para torná-la sustentável. Um desses grandes marcos de objetivos é a Agenda 2030 da ONU, que fala sobre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), metas a serem atingidas até 2030 para um mundo melhor para todos os povos e nações.
Carlos Gregório, professor de Agricultura Sustentável da Universidade Politécnica de Madri, na Espanha, indica os primeiros passos para aplicar tais objetivos na atividade agrária: “A primeira coisa que precisamos olhar são os quatro grandes atributos da sustentabilidade – econômica, social, ambiental e de governança. Esses quatro atributos têm a mesma importância e irão definir a sustentabilidade de uma propriedade.”
A sustentabilidade econômica foca na geração e distribuição de uma renda mais justa, utilizando meios que preservem os recursos naturais. O lado social se liga ao conjunto de ações que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas através da diminuição da desigualdade social e a garantia de acesso a serviços básicos como saúde e educação, por exemplo. No ambiental, está o respeito à biodiversidade e o uso consciente dos recursos naturais, de modo que eles não se esgotem para as próximas gerações. E, por fim, o atributo da governança foca no fortalecimento das governanças locais e no comprometimento das mesmas para que sigam as normas ambientais e se organizem adequadamente em todas as questões sustentáveis.
Da década de 70 para os dias atuais, o Brasil saiu de uma situação de insegurança alimentar e fez a grande mudança que hoje é chamada de agricultura adaptativa, ou regenerativa. Hoje, o país é o maior exportador de alimentos do mundo, uma vantagem competitiva muito grande ao considerar território, recursos naturais e a competência para produzir com sustentabilidade.
Quem pontua essa informação é Renata Miranda, Ex-secretária de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Segundo ela, os desafios sociais existem e o Brasil ainda tem algumas escalas econômicas para subir, mas é importante que possamos compreender o potencial do país em questão de agropecuária sustentável.
“E quando falamos de Cerrado, o bioma tem um significado muito forte no desenvolvimento do país. O Cerrado não tem só um valor histórico, mas tem também um componente importante nessa produtividade que nos orgulha tanto. […] Aquele produtor que não reconhece que é preciso preservar para produzir está corrompendo o sucesso futuro dele e das gerações que virão depois dele”, destaca Renata Miranda.
Com atuação em quatro estados brasileiros – Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais – e em mais de 100 municípios, o PRS – Cerrado tem como diretrizes melhorar a renda e a qualidade de vida de pequenos produtores e produtoras rurais; garantir acesso à assistência técnica, à capacitação e ao crédito; fortalecer organizações socioprodutivas; investir em pesquisas sobre agropecuária sustentável; e disseminar a implantação de tecnologias de baixa emissão de carbono. Entre suas frentes de atuação, está o Programa de Capacitação, com atividades formativas para atender os diferentes públicos do projeto. São diversas atividades: Dias de Campo; cursos de Educação à Distância (EaD), em parceria com o Canal Futura; Mestrado Profissional, em conjunto com a Universidade Federal de Lavras (UFLA); Cursos Presenciais; e ações de empoderamento social.
O projeto é resultado de uma Cooperação Técnica aprovada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com recursos do Financiamento Internacional do Clima do Governo do Reino Unido, tendo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) como beneficiário institucional, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS) como responsável pela sua execução e administração. A Embrapa é a responsável pela coordenação científica e a Associação Rede ILPF pelo apoio técnico.